Amante não tem dever de indenizar esposa traída
A 9ª câmara Cível do TJ/RS manteve sentença negando pedido de indenização por dano moral interposto por esposa contra a amante do ex-marido. Para a câmara, o dever de fidelidade existe apenas entre os cônjuges e não se estende a terceiro, que não tem o dever de zelar pelos deveres reciprocamente assumidos pelo casal.
A autora da ação sustentou que jamais conseguiu superar o relacionamento amoroso extraconjugal entre seu ex-marido e a demandada. Afirmou ainda que em decorrência do adultério, passou a sofrer de ansiedade e depressão.
Diante da negativa em 1º Grau, recorreu ao TJ.
No entendimento da desembargadora relatora Iris Helena Medeiros Nogueira, independente do motivo, a ruptura de uma relação matrimonial ocasiona mágoa, frustração e dor, entretanto tais sentimentos são fatos da vida.
A conduta da ré, ainda que tenha mantido relação com pessoa casada, não se afigura ilícita: o casamento assim como os demais contratos, tem o condão de gerar obrigações apenas para aqueles que dele participam. A demandada todavia, foi movida contra terceira pessoa que não possui o dever de zelar pelo cumprimento dos deveres assumidos entre a autora e seu ex-marido, nomeadamente o da fidelidade. Sendo assim, não pode ser tida como responsável pelo insucesso da sociedade conjugal havida entre eles.
De acordo com a magistrada, embora a autora tenha ficado profundamente magoada com o relacionamento extraconjugal mantido entre a ré e seu ex-marido, o aborrecimento é um mero dissabor, não podendo entretanto, dar ensejo à indenização.
_________
APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO ENTRE EX-MARIDO E AMANTE. INEXISTENTE ATO ILÍCITO INDENIZÁVEL. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA.
1. A traição, por si só, bem como as conseqüências dela oriundas, não geram o dever de indenizar.
2. A doutrina e a jurisprudência reconhecem a indenização por abalo moral entre cônjuges ou conviventes quando há cometimento de ilícito penal um contra o outro, mas não quando apenas há infração aos deveres matrimoniais.
APELO DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY E DES. LEONEL PIRES OHLWEILER.
Porto Alegre, 28 de setembro de 2011.
DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA,
Relatora.
RELATÓRIO
DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (RELATORA)
Cuida-se de apelo interposto por R.M.L. na ação indenizatória que moveu em desfavor de N.R.F., contra sentença (fls. 57-60) que julgou improcedente a pretensão inicial, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios ao patrono do réu, estes fixados em R$ 2.000,00 (Dois Mil Reais).
Em suas razões recursais (fls. 64-74), a parte autora sustentou que jamais conseguiu superar o relacionamento amoroso extraconjugal entre seu ex-marido e a demandada. Disse que atualmente encontra-se depressiva e ansiosa em função do adultério. Discorreu acerca do ato ilícito e da proteção à família como um valor consagrado pela Constituição Federal. Por fim, pugnou pelo total provimento do apelo.
Com contrarrazões às fls. 78-83, subiram os autos a este Tribunal, e vieram a mim conclusos, para julgamento, em 05.08.2011 (fl. 84).
É o relatório.
VOTOS
DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (RELATORA)
Eminentes Colegas!
A parte autora alega, na inicial, que sofreu forte abalo moral em decorrência da conduta da ré e do seu ex-marido. Disse que a relação extraconjugal entre ambos causou-lhe forte angústia, sendo que, atualmente, sente-se depressiva e ansiosa.
A pretensão foi julgada improcedente em primeiro grau.
Inicialmente, ressalto que, evidentemente, a ruptura de uma relação matrimonial ocasiona mágoa, frustração e dor, independentemente do fato motivados. Entretanto, entendo que tais sentimentos são fatos da vida.
No caso concreto, tenho que a sentença de 1º grau de lavra do Magistrado Régis Adil Bertolini, bem analisou a questão, cuja fundamentação adoto como razões de decidir:
“ (...) Para que se configure a responsabilidade civil, são necessários, em regra, três requisitos: a ação ou omissão culposa, a ocorrência do dano e o nexo de causalidade entre ambos.
Nesse passo, conquanto a manutenção de relação extraconjugal entre o ex-marido da autora e a ré seja fato incontroverso – porquanto não impugnado de forma específica, consoante determina o artigo 302 do Código de Processo Civil -, não se podendo negar, ademais, o sofrimento experimentado pela demandante e o nexo de causalidade entre os dois primeiros, a pretensão esposada na inicial não merece guarida.
Isso ocorre porque a conduta da ré, ainda que tenha mantido relação com pessoa casada, não se afigura ilícita: o casamento - assim como os demais contratos - tem o condão de gerar obrigações apenas para aqueles que dele participam. A presente demanda, todavia, foi movida contra terceira pessoa, que não possui o dever de zelar pelo cumprimento dos deveres reciprocamente assumidos pela autora e seu ex-marido/companheiro – nomeadamente o da fidelidade -, nem pode ser tida como responsável pelo insucesso da sociedade conjugal havida entre eles.
Nesse sentido, parte do voto proferido pela Des. Iris Helena Medeiros Nogueira, por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº X, na qual se discutiu questão sobremaneira semelhante à presente:
“Com efeito, considero que não existe no ordenamento jurídico nacional o dever legal de fidelidade a ser observado pelo terceiro estranho a relação conjugal. A propósito, transcrevo bem colocada observação feita pelo eminente Desembargador Cabral da Silva: 'A vida em comum impõe restrições que devem ser seguidas para o bom andamento da vida do casal e do relacionamento, sendo inconteste que os cônjuges possuem o dever jurídico de fidelidade mútua. Em que pese o alto grau de reprovabilidade social daquele que se envolve com pessoa casada, não constitui tal envolvimento, diante dos cânones legais, qualquer ilícito por parte do apelante. O dever jurídico de fidelidade existe apenas entre os cônjuges e não se estende a terceiro que venha a ser cúmplice no adultério perpetrado.' O fundamento legal da responsabilidade civil deve residir numa obrigação criada por contrato ou Lei. Notadamente, a hipótese controvertida não se refere a nenhuma modalidade contratual. Em contrapartida, nosso Direito não contempla nenhuma regra legal que imponha ao terceiro o dever de não se relacionar com a pessoa casada. Portanto, em se tratando de uma relação matrimonial, julgo que os deveres de lealdade, fidelidade e sinceridade recíprocos são exigíveis apenas dos cônjuges entre si. E isto encontra fundamento legal nas regras inscritas nos arts. 1.556, e 1.724, do Código Civil Brasileiro de 2002” (Grifado pelo subscritor).
Em outras palavras, não se vislumbra, no caso, a presença do requisito da culpa jurídica, definida como a violação de dever legal preexistente.
Não foi outra, aliás, a conclusão a que chegou o Min. Luis Felipe Salomão, relator do Recurso Especial nº 1.122.547 – MG. Veja-se, a propósito, a ementa do julgado em questão:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ADULTÉRIO. AÇÃO AJUIZADA PELO MARIDO TRAÍDO EM FACE DO CÚMPLICE DA EX-ESPOSA. ATO ILÍCITO. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE NORMA POSTA. 1. O cúmplice de cônjuge infiel não tem o dever de indenizar o traído, uma vez que o conceito de ilicitude está imbricado na violação de um dever legal ou contratual, do qual resulta dano para outrem, e não há no ordenamento jurídico pátrio norma de direito público ou privado que obrigue terceiros a velar pela fidelidade conjugal em casamento do qual não faz parte. 2. Não há como o Judiciário impor um "não fazer" ao cúmplice, decorrendo disso a impossibilidade de se indenizar o ato por inexistência de norma posta - legal e não moral - que assim determine. O réu é estranho à relação jurídica existente entre o autor e sua ex-esposa, relação da qual se origina o dever de fidelidade mencionado no art. 1.566, inciso I, do Código Civil de 2002. (...) 4. Recurso especial não conhecido. (REsp 1122547/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/11/2009, DJe 27/11/2009)”
Ausente um dos requisitos da responsabilidade civil – qual seja, a culpa -, a improcedência da demanda é a medida que se impõe.
Nesse sentido, segue a jurisprudência do Egrégio TJRS:
SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA. VIOLAÇÃO DOS DEVERES CONJUGAIS. CULPA. PROVA. DESCABIMENTO. DANO MORAL. IMPOSSIBILIDADE, EMBORA ADMITIDO PELO SISTEMA JURÍDICO. É remansoso o entendimento de que descabe a discussão da culpa para a investigação do responsável pela erosão da sociedade conjugal. A vitimização de um dos cônjuges não produz qualquer seqüela prática, seja quanto à guarda dos filhos, partilha de bens ou alimentos, apenas objetivando a satisfação pessoal, mesmo por que difícil definir o verdadeiro responsável pela deterioração da arquitetura matrimonial, não sendo razoável que o Estado invada a privacidade do casal para apontar aquele que, muitas vezes, nem é o autor da fragilização do afeto. A análise dos restos de um consórcio amoroso, pelo Judiciário, não deve levar à degradação pública de um dos parceiros, pois os fatos íntimos que caracterizam o casamento se abrigam na preservação da dignidade humana, princípio solar que sustenta o ordenamento nacional. Embora o sistema jurídico não seja avesso à possibilidade de reparação por danos morais na separação ou no divórcio, a pretensão encontra óbice quando se expurga a discussão da culpa pelo dissídio, e quando os acontecimentos apontados como desabonatórios aconteceram depois da separação fática, requisito que dissolve os deveres do casamento, entre os quais o da fidelidade. Não há dor, aflição ou angústia para indenizar quando não se perquire a culpa ou se define o responsável pelo abalo do edifício conjugal. Apelação desprovida. (Apelação Cível NºX Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 02/04/2003)
CASAMENTO. SEPARAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.. RELACIONAMENTO EXTRACONJUGAL.. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA DA EX-COMPANHEIRA CONTRA O VARÃO. DESCABIMENTO. NAS RELAÇÕES FAMILIARES É COMUM A OCORRÊNCIA DE MÁGOAS E RESSENTIMENTOS, SENTIMENTOS QUE CAUSAM DOR, MAS QUE NÃO CARACTERIZAM UM ATO ILÍCITO INDENIZÁVEL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº X, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Julgado em 24/06/2010)
PELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RELACIONAMENTO EXTRACONJUGAL E FILHO FORA DO CASAMENTO. DESCABIMENTO NO CASO CONCRETO. A doutrina e a jurisprudência admitem a indenização por dano moral no casamento e na união estável em face do cometimento de ilícito penal de um cônjuge ou companheiro contra o outro, mas não em razão da infração aos deveres matrimoniais. Assim, a traição e a geração de um filho fora do casamento, por si só, não acarretam o dever de indenização por dano moral. Recursos desprovidos. (Apelação Cível Nº X, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 22/07/2009)
Dessa forma, em que pese a autora alegue que tenha ficado profundamente magoada com o relacionamento extraconjugal mantido entre seu ex-marido e a ré, tenho que tal aborrecimento é caracterizado como um mero dissabor.
Como já mencionado, a traição, por si só, não é passível de indenização, assim como as conseqüências dela advindas.
Nessa linha, segue trecho da Apelação Cível nº X, julgada pelo Ilustre Relator Rui Portanova, em 16.12.2010:
(...) Difícil, contudo, definir o verdadeiro responsável pela deterioração matrimonial. Logo, não se mostra razoável que o Estado invada a privacidade do casal para apontar aquele que, muitas vezes, nem é o autor da fragilização do afeto.
Enfim, o fato narrado nos autos de que o demandado tenha sido o responsável pela humilhação da autora, bem como pela ruptura do convívio não ficou comprovado. O contexto fático de dor e sofrimento, caracterizador do dano moral não está presente aqui, razão pela qual o apelo vai improvido.”
Dito isso, entendo que no caso dos autos, a dor emocional é inerente e inevitável, frente à própria ruptura, não podendo, entretanto, dar ensejo à indenização.
ANTE O EXPOSTO, NEGO PROVIMENTO AO APELO.
É o voto.
DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY (REVISOR) - De acordo com a Relatora.
DES. LEONEL PIRES OHLWEILER - De acordo com a Relatora.
DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Apelação Cível nº X, Comarca de Santa Maria: "DESPROVERAM AO APELO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: RÉGIS ADIL BERTOLINI
Fonte: Migalhas.com.br